Um perfume para Napoleão

Estava bem debaixo de seu nariz e ele não via. Napoleão gostava de perfumes, vivia encantado com as essências o coitado. Talvez desde cedo tenha desenvolvido esta anomalia obssesiva pelo perfume de um colo feminino. Era quase um segredo que guardava dentro de si, uma busca incessante e persistente a um determinado cheiro que errou de lugar, ao invés de habitar o olfato, habitava o pensamento.

Mal sabem os historiadores que a ambição de Napoleão era nada além de reviver a doce sensação daquele perfume. Com uma ressalva, agora no mundo das coisas, longe do mundo das ideias. Correu o mundo, conquistando nações e multidões, derrubava exércitos e levantava saias com o mesmo objetivo: reconquistar sua essência perdida.

A busca lhe tomou tanto tempo que pretensiosamente se considerou um perfumista entendido do gênero, e o era de fato, devido á sua vasta experiência em fungadas nos cangotes alheios. E por tabela, um exímio estrategista militar e conquistador. Barato, diga-se de passagem. Custaria o preço de um frasco de perfume.

Esta, meus senhores, é uma velha máxima entre os homens, não há nação, ideal, bem material ou virtude que seja mais cara que o frasco de um belo perfume. Uma nação pode trocar de bandeira, um ideal pode parecer obsoleto e uma virtude pode desaparecer por simples desuso. Mas um perfume perdido, isto não se esquece. Napoleão sabia disso.

Depois de anos a fio nesta mesma empreitada, acabou derrotado por um único inimigo: a pretensão. Como poderia dividir os perfumes em notas, acordes afim de reconstrui-lo? Seria uma obra divina, inalcançável a um mortal? Considerava que não, por isso caiu. E escondendo as lágrimas da derrota com as mãos junto ao rosto. Sentiu mais uma vez seu próprio odor. Um cheiro tão peculiar quanto único.

Enfim, sozinho na ilha de Santa Helena se deu conta que ao pedir que sua amada repetisse a fragrância de um determinado encontro, que usasse mais uma vez aquele perfume, nunca seria atendido. Perfumes nada tem a ver com essências. Essências são inerentes e inseparáveis ao seu momento de olfato. Perfumes são reconstruidos e engarrafados. Morreu envenenado por uma angustia que nunca acabaria, a angustia de um momento que nunca se repetiria.

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