Miopia

Você já percebeu que toda vez que nos encontramos em mesa de quatro cadeiras, nunca nos sentamos de frente um para o outro, escolhemos o lado que mais nos agrada e o lado que ficamos mais próximos. Já percebeu que a primeira coisa que faço, depois de deixar minha carteira e meu telefone na mesa, é tirar os óculos. Este sim é um hábito a se observar.

Será que sem óculos volto a ser míope e não enxergo o longe, deixo o que está distante desfocado e volto minha atenção ao que visível e tátil? O presente momento, mais conhecido como “agora”, fica mais nítido aos míopes do que a distância dos planos futuros.

Sem óculos não te vejo tão nítida quanto deveria, me confundo entre as linhas do rosto, fica difícil delinear o limite do conteúdo, forço os olhos e continuo observando mudo. Sem óculos não existem barreiras entre seus olhos e os meus. Sem óculos deixo de ser perfeccionista, observador e analítico, não uso mais os olhos, só os olhares.

Ao retirar da minha linha de visão as lentes, escolhi te ver de um modo mais natural, mais pessoal, mais meu. Ou melhor, te ver mais minha. De que importa o que está longe? Para um míope desde menino só interessa o que está próximo. Será que os outros animais tem miopia? Para a minha descobri a melhor razão de existir: trazer você perto de mim.

— João, que tal trocarmos seus óculos por lentes de contato?
— Melhor não doutora, obrigado.

Um comentário: