A bola 15

Pisou o primeiro degrau entre as portas de aço e cumprimentou o dono do lugar, com um leve toque no chapéu saudou um companheiro sentada à mesa com uma morena de vestido colorido. Numa outra mesa composta de mais 3 mesas juntas sob uma única toalha: Betão 7 Cordas, Dirceu no pandeiro, Antero no cavaco e Nelson com sua caixinha de fósforos demorando a entender o tempo daqueles poemas em forma de samba. O cancioneiro ía de Cartola a Lupicínio, passando por Martinho. Repentina, Neusa se levantava e puxava um verso de Beth.

Enquanto isso ele recostava no balcão e pedia uma cerveja. Olha o movimento, ajeita a camisa, abre um botão. O brilho reluzente de uma fina corrente de ouro com um pingente pequeno de São Jorge. Salve Jorge! Seu Amílcar antigo funcionário público chega de camisa florida e barriga redonda. Convida o amigo para a sinuca.

Ele pega a garrafa e leva até uma mesa próxima ao jogo com banquinhos mais altos em madeira. Serve um copo e pega seu taco. Amílcar brinca, esculacha o amigo e organiza as bolas. Posiciona para estourar o triangulo. - Não, não você não começa bem garoto. O jeito educado do velho gordo pedir para começar a partida.

Plau! - Hahaha! Mato as pares. O velho ri convencido. Matar as ímpares, isso era o que ele queria. Dirceu batuca um ritmo e introduz a canção que faz fundo para sua jogada. Peito baixo sobre a mesa, olhos altos mirando a bola 5. Tacada simples e despretenciosa não mata a bola.

O estalar de um salto baixo estala nos azulejos do botequim. Tacos ao alto e apoiados junto aos pés para recebê-la. Uma morena esguia, de porte "mata-malandro", calça jeans justa, blusinha leve, rabo de cavalo e aquela maldita alça de sutiã. Ela cumprimenta os conhecidos e quase faz seu Antero perde a batida. Ela esfrega as cordas de ré a ré e recupera a cadência.

Bem falado seu Antero, cadência. Morena deste tamanho só tem isso para enfeitiçar os moços. Só canta junto quem sabe acompanhar.

Ele volta a mesa alta. Dá o primeiro gole. Começam entreolhares ligeiros e quase esnobes. Competem, quem dobra quem? Segue o jogo, esquece ela e mata a 7 no canto.

Dona Neusa lembra um verso e puxa o partido alto. Ela esnoba e samba sozinha entre as mesas, indiferença feminina e toda a diferença para ala masculina. Amílcar mata duas seguidas. Ela anda sem perder o rebolado o garçom dribla o espalho da garota, passa por ela, olha de cima a baixo e segue o trabalho.

Onde está a frieza que preciso pra matar a 9 se ela não deixa. Um jeito meio bobo e ingênuo de falar num corpo rígido e bem construído. Pensa no jogo.

Muita música e alguns copos vazios depois, o silêncio dos músicos é encoberto pelo zumzum das conversas. Ela se levanta, caminha ao toalete. Esbarra no moço que preparava a jogada. Era pouco espaço para muito quadril. Ele a olha por cima do ombro sem desarmar a poso, dá um meio sorriso. O corpo dela segue, os olhos ficam por um instante. Ele errou por pouco a caçapa do meio.

Seu Mimi mata sem perdão a última bola. - Aprende garoto! - Lhe devo uma seu Mimi.

Ela volta, se despede dos amigos e toma o rumo de casa. Ele pede a conta sorrateiro num sinal de mão, pendura e sai. Segue-a furtivamente pelo beco. Ela anda com o mesmo contratempo de sempre. Depois de um passo mais largo, ele a pega pelo braço, vira o corpo da menina como num passo de gafieira. Um olhar, metade nos olhos, metade na boca.

Recosta as costas nuas na parede de uma das casas da vizinhança. Disse-lhe algo juntos aos ouvidos, e na distância anterior a um beijo ela sorri, esquiva dos braços do moço e segue sob a luz fraca da madrugada.

Se pares ou ímpares, depois de todas na caçapa, ainda resta uma na mesa.
Quem brinca não mata, quem joga se aventura. Se morre ou não? Depende do taco.
Mas, no final o que tudo é o jogo. O da conquista.

Betão volta para casa dedilhando Cartola.

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