Mesa para dois

Depois de uma breve ausência um tanto despretenciosa,
nos encontramos como havíamos combinado,
bebericávamos um drinque que havia pedido para nós dois.
O mesmo que de sempre, querida? Hoje não, quero outro.

Entre um gole e outro o papo prosseguia como dois
instrumentistas fora de sintonia numa demonstração de belos temas,
mas cada um com seu instrumento. As pausas se dava pelos goles.
A cada toque de bebida no lábios mais um olhar questionador.

O que pode ter mudado? Ficamos tão pouco sem se ver.
Você parece diferente, está a me olhar diferente, disse ela.
O que está diferente, sabe me dizer? Perguntei como se não soubesse.
Não sei, só me parece diferente. E é aqui a morada do perigo.

Exatamente não saber a razão daquilo foi que fez seguirmos
cada um desrevndo um estrofe com versos que não se encaixam no mesmo poema.
Só havia um desejo inconsciente quase involuntário que a pena escrevesse.
Se não fizem sentido que fossem bonitos. Se incoerentes que fossem ousados.

Mas que continuassem sendo versos, sendo temas, só um toque.
Só um toque nos salvaria da árdua missão de encontrar uma razão no final do copo.
Ela se atreveu, me tocava e acariciava leve, tudo estava realmente diferente.
Difícil de acreditar, mas depois do tato tudo calou.

Levantamos da mesa, semi-embriagados, gratos e felizes
pelo encontro, pelo toque e por nós mesmos. Não pela música, mas pelo músico.
Não pelo verso mas pelo poeta. Não pela mulher, mas pela ousadia. Não pelo homem, mas pela covardia. Obrigado por você ter pago ela disse.

Enquanto eu ia embora, constatei como num estalo que tudo estava diferente.
O que não era comum fez o deaforo de acontecer: Ela olhou pra trás e se despediu.

Repare bem nos olhos

Repare bem nos olhos de alguem mais velho, incrívelmente parece que as palpebras crescem e ficam mais volumosas, como se olhos fossem se fechando. Num golpe de maldade, poderíamos pensar que é o processo natural da vida. Afinal, está acabando mesmo.

Um mais cético poderia levantar a hipótese de que são só rugas, marcas de experiência adquiridas com o tempo que servem para qualificar a opinião, a visão. São olhos mais experientes.

Hoje me ocorreu diferente. Os olhos não parecem se fechar, é simples poder de síntese, olhos mais experientes procuram o que realmente lhes interessa, uma questão de foco, entende? Diante de um campo de visão que pode me oferecer as mais variadas distrações, procuro focar o que realmente me interessa para sintetizar o assunto como um todo.

Que os jovens mantenham seus olhos bem abertos, colham o máximo possível no seu campo de visão. Para que todo o conteúdo possa formar uma sintese brilhante o bastante para chamar a atenção de outros olhos.

Capitão da minha tempestade

De que me adianta estar no meio desta calmaria, se meu barco só se lembra da tormenta. Seria o mais usual e tambem mais comum se meu leme me levasse por inércia ao antigo cais.

Mas de que adianta se minha embarcação ainda recorda as ondas lambendo o casco. Se só me trazem lembranças de quando o timão andava desgovernado ao sabor dos ventos. Que emoção e que aprendizado existe na bonanza? Como seriam as futuras cartas de navegação, se não fossem as lições aprendidas em cada intempérie?

Seriam apenas círculos, ciclo viciosos de um caminho sem novos ventos, por regiões já singradas por outros navegantes ou até mesmo por mim, o que seria ainda pior.
Todas as noites, recolhido no dormitório do barco, rogo a Iemanjá que me traga uma tempestade e que dela não dependa minha vida. Quero sim aprender com ela, manter meu rumo preciso no meio de cada onda abrupta.

Como capitão recem-nomeado deste barco de mim mesmo, quero subir à proa, olhar o horizonte e dizer: - Seja bem-vinda minah tempestade que voc~e não me leve de volta ao cais mas que eu não te esqueça e que depois de ti possa entender um pouco mais dos desígnios de minha mãe. odoiá!