Se for pra me amar...

Se for pra me amar, Que me deixe voar,
pra longe e bem longe, que não questione o destino do vôo
mas aprecie o reencontro da volta.
Que saiba fazer da ausência tempero indispensável ao nosso paladar.

Depois de alguns dias longe, com a cabeça no lugar,
amar vira verbo intransitivo e não precisa mais
do objeto de desejo para acontecer.
É só um sentimento que cresce,
floresce e tem tudo para ser compartilhado.

Uma ilha cercada de paixão por todos os lados

Estou ilhado em mim e não consigo sair.
Estou curtindo uma paixão tão profunda,
Não por nada e nem pro ninguém.
Pela simples delícia e pelo simples deleite da paixão.

Arde muito, queima forte, mas me parece tão aconchegante.
Por que você não fica mais? Engraçado encontrar aconchego
No desassossego deste desconforto.
Sentir-se assim é o que me move, e o resultado deste sentimento
É o que mais me comove.

Um vermelho tão intenso de um coração pulsante desenhado
No canto de um papel de caneta vermelha assinando um poema
Anônimo, sinônimo de paixão platônica, sem resposta, atônita.
Mas que mesmo sem som, traz um sentimento tão bom
Que não dá pra recusar.

Por que você não fica mais?



Imagem em www.baubauhaus.com

Miopia

Você já percebeu que toda vez que nos encontramos em mesa de quatro cadeiras, nunca nos sentamos de frente um para o outro, escolhemos o lado que mais nos agrada e o lado que ficamos mais próximos. Já percebeu que a primeira coisa que faço, depois de deixar minha carteira e meu telefone na mesa, é tirar os óculos. Este sim é um hábito a se observar.

Será que sem óculos volto a ser míope e não enxergo o longe, deixo o que está distante desfocado e volto minha atenção ao que visível e tátil? O presente momento, mais conhecido como “agora”, fica mais nítido aos míopes do que a distância dos planos futuros.

Sem óculos não te vejo tão nítida quanto deveria, me confundo entre as linhas do rosto, fica difícil delinear o limite do conteúdo, forço os olhos e continuo observando mudo. Sem óculos não existem barreiras entre seus olhos e os meus. Sem óculos deixo de ser perfeccionista, observador e analítico, não uso mais os olhos, só os olhares.

Ao retirar da minha linha de visão as lentes, escolhi te ver de um modo mais natural, mais pessoal, mais meu. Ou melhor, te ver mais minha. De que importa o que está longe? Para um míope desde menino só interessa o que está próximo. Será que os outros animais tem miopia? Para a minha descobri a melhor razão de existir: trazer você perto de mim.

— João, que tal trocarmos seus óculos por lentes de contato?
— Melhor não doutora, obrigado.

Yang

Estou enjoado de falar sobre equilíbrio, isso está certo assim… seria melhor se…Mudo duas letras de lugar, e fico enojado de tudo parecer tão correto. Hoje estou aqui pra falar do sujo, do que não fora quisto. Não quero falar nem do lado bom e nem do misto. Só do que não havia de ser dito.

Quero sim escrever a mão os versos que as vezes cogito e entregá-los, com um beijo súbito, inesperado, à aquela desconhecida. Vou dizer a ela tu é gostosa num poema tão imoral quanto o que eu quero: recitar dois poemas no mesmo leito de desejo, elevar a luxúria. Saborear a fantasia.

Quero escarrar os nomes mais sujos quando me sentir traído, iludido, ferido e depois afagá-la com afeto. Daqueles afetos que só acontecem antecedendo uma vil punhalada. Vou ser frio e canalha nestes momentos, tudo para lhe mostrar este lado dos meus sentimentos. Quando me quiseres, não terás. E quando não, terá em dobro.

Vou agarrá-la com força, jogá-la contra a parede e olhar fundo nos teus olhos e te ver assombrada com minha indiferença. Vou lhe entregar flores que murcharão no segundo dia. Para que entenda de onde vem minha rebeldia. Vou rasgar nossas fotos, molhar nossas cartas com um vinho barato do qual me embebedei.

Se me ligar, não atendo. E qualquer mensagem sobre minha falta, não respondo. Vou quebrar em pedaços aquele disco da Elis que você me deu. Vou lhe enviar um dos cacos num envelope pra que você sabia em que pedaço você esteve. Se me perguntar, vou dizer que estou bem e de um jeito que você jamais me fez.

E depois de tudo destruído, quero que isto que temos entre nós volte a existir. Renasça das cinzas que queimei. Esperando que você tenha compreendido, que tudo isso é exatamente o que nunca pensei, algumas coisas sim, não tudo.

Olhos nos olhos. 1 minuto mudo.

Manifesto do jogador descalço

Habemos a nova camisa da seleção brasileira de futebol. Nosso patrocinador que me perdoe mas não nos vimos naquela camisa. O amarelo de sempre estava lá lembrando épocas áureas do futebol mais bonito do mundo. Mas uma coisa fora o amarelo incomodou, jogamos de corpo sim, mas fechado nunca. Somos guerreiros com certeza mas de uma guerra própria que se passa dentro de cada jogador, chamamos esta guerra de superação. Transpor o próprio limite a cada lance, propor o inacreditável a cada jogada. Este sim é o puro futebol brasileiro sem faixa verde.

Brasileiro não veste camisa, o futebol está direto na pele. A cor miscigenada de cada jogador já é uma camisa. Desde pequenos estamos acostumados a jogar descalços num gramado de cor bem diferente, cinza-asfalto ou marrom-chão-batido. Por isso, não há chuteiras que deem mais controle de bola do que um legítimo pé brasileiro. Nada mais preciso no chute de que uma original trivela. Neste caso, nem precisamos dos cinco dedos do pé. Que nos digam os magos que faziam gols de biquinho, abusando da destreza do dedão. Para a beleza do futebol brasileiro sem chuteiras, apenas um dedo já é suficiente.

Aprendemos desde as peladas de rua a proteger a vida e a bola. "Olha o carro!" vem a cabeça de qualquer menino ou menina do Brasil com a bola no pé. Logo, meus amigos, não há zagueiro brucutu que nos faça tremer com a redonda entre os pés. E estes zagueiros têm outra maldição para lidar: nunca jogamos sozinhos. Quase heresia à religião futebolística brasileira jogar bola sozinho. A rechonchudinha não sai debaixo do braço dos meninos até juntar a turma toda, dois no mínimo. Mas onde está a maldição?

O futebol brasileiro é generoso e nunca revelou um gênio por vez. Somos ao menos uma dupla. Pelé e Garrincha, Tostão e Rivelino, Sócrates e Casagrande, Bebeto e Romário, Diego e Robinho, Lucas e Casemiro, Ganso e Neymar entre outras duplas. A maldição é exatamente essa, não existe adversário que possa apresentar uma dupla de zaga genial. Quando os holofotes caem sobre um craque, ainda sobra outro livre pra marcar.

Tanta generosidade e abundância no bate bola confunde desde zagueiros adversários a patrocinadores de material esportivo. Não conseguiriamos fazer um filme magistral e com clima guerreiro. Nosso espetáculo não tem apenas um protagonista. Além disso, sorrimos demais. Exatamente por isso, não nos vimos naquela camisa com símbolo de guerreiro de corpo fechado. A tentativa foi boa, mas existe um outro futebol atrás das camisas e chuteiras tecnológicas. Um futebol que sorri a cada toque consciente na bola, que se concentra na precisão de um simples passe, que caçoa do companheiro que levou um drible desconsertante. E nessa brincadeira formamos jogadores mais atentos, mais ligados, tão ligados que conseguem as tabelas mais rápidas e inteligentes do futebol mundial. Aqui o show não depende de 1. É feito em cima do 1-2.

Umbabarauma. Onze letras, onze corpos e uma alma, a de menino jogador brasileiro.
Somos onze pontas de lança que aprenderam a entrar desacreditados e sair vitoriosos. Assim como aquela bola que vai correndo perdida para a linha de lado, até a garra de um lateral a salvar da saída, faze-la ganhar a linha de fundo. E este lateral, quando levanta a cabeça e olha o jogo, já traça o destino: passe na área, domínio e gol. Este é o trabalho do ponta, típica posição e invenção do futebol tupiniquim, atacar por onde ninguém espera, propor o inacreditável.

Num dia de chuva e estádio cheio. Queria que a seleção jogasse apenas um jogo sem camisa e descalça, para reviver e reacender a alegria e o êxtase do jeito brasileiro de jogar futebol.

Um perfume para Napoleão

Estava bem debaixo de seu nariz e ele não via. Napoleão gostava de perfumes, vivia encantado com as essências o coitado. Talvez desde cedo tenha desenvolvido esta anomalia obssesiva pelo perfume de um colo feminino. Era quase um segredo que guardava dentro de si, uma busca incessante e persistente a um determinado cheiro que errou de lugar, ao invés de habitar o olfato, habitava o pensamento.

Mal sabem os historiadores que a ambição de Napoleão era nada além de reviver a doce sensação daquele perfume. Com uma ressalva, agora no mundo das coisas, longe do mundo das ideias. Correu o mundo, conquistando nações e multidões, derrubava exércitos e levantava saias com o mesmo objetivo: reconquistar sua essência perdida.

A busca lhe tomou tanto tempo que pretensiosamente se considerou um perfumista entendido do gênero, e o era de fato, devido á sua vasta experiência em fungadas nos cangotes alheios. E por tabela, um exímio estrategista militar e conquistador. Barato, diga-se de passagem. Custaria o preço de um frasco de perfume.

Esta, meus senhores, é uma velha máxima entre os homens, não há nação, ideal, bem material ou virtude que seja mais cara que o frasco de um belo perfume. Uma nação pode trocar de bandeira, um ideal pode parecer obsoleto e uma virtude pode desaparecer por simples desuso. Mas um perfume perdido, isto não se esquece. Napoleão sabia disso.

Depois de anos a fio nesta mesma empreitada, acabou derrotado por um único inimigo: a pretensão. Como poderia dividir os perfumes em notas, acordes afim de reconstrui-lo? Seria uma obra divina, inalcançável a um mortal? Considerava que não, por isso caiu. E escondendo as lágrimas da derrota com as mãos junto ao rosto. Sentiu mais uma vez seu próprio odor. Um cheiro tão peculiar quanto único.

Enfim, sozinho na ilha de Santa Helena se deu conta que ao pedir que sua amada repetisse a fragrância de um determinado encontro, que usasse mais uma vez aquele perfume, nunca seria atendido. Perfumes nada tem a ver com essências. Essências são inerentes e inseparáveis ao seu momento de olfato. Perfumes são reconstruidos e engarrafados. Morreu envenenado por uma angustia que nunca acabaria, a angustia de um momento que nunca se repetiria.

Onde é mais seguro?

Onde é mais seguro?
Dentro do ninho ou cercado pelo muro?

Melhor manter a luz acesa
ou se aventurar no escuro?

Ficamos entre a racionalidade da visão
e o sentimentalismo do tato.
Na distância do sonho ou no toque do fato?
Quando o tempo quiser ou neste momento exato?

Se ser ou não ser fosse a única questão,não arderíamos em dúvidas.
Cada escolha implica numa renúncia.Simples como A e B, 0 e 1.
O que torna complexo é exatamente o volume da simplicidade.

E se esta regra já está batida, o que de melhor posso ter da vida?
Senão escolhas.
Comemoremos a possibilidade de escolher e não o tempo que gastamos
pensando nas escolhas que temos a fazer.

Por que dizemos: "Preciso sair pra pensar..."? Quando o correto é entrar.
Aí é que vem o medo do escuro, medo de conhecer o que há dentro do muro.

Que os muros permaneçam lá, mas que eu saiba o máximo de coisas
que dentro deles há.

E ao me conhecer, eu possa me mostrar ao mundo como sou.
E que antes de me apegar demais, eu possa dizer: Já vou.

Camisa amarrotada

Vem ser meu desalinho,
Não me deixe sozinho neste conforto de amargar,
Põe gravetos em nosso ninho,
Motiva esta paixão a voar,

Combina um café ou um almoço,
Faz deste peito aquele antigo alvoroço,
(Este só você saber aprontar)
Esquece a regra e pega de novo
De um jeito pra não mais largar.

Amarrota o lençol, se debate na cama,
Me xinga, briga, depois diz que me ama.
Me olha daquele jeito que não sei se
Te deixo ou te beijo.

Resolve minha dúvida, me beija.
Me dá alguns segundos de chamego,
Depois me tira o sono e o sossego
Ao ouvir que você também me deseja.

Vem ser, mais uma vez, meu desalinho,
Não me deixe sozinho neste conforto de amargar.

Orquestra em silêncio

Uma certa doce insegurança o rondava, uma dose de precipitação em um copo curto e algumas pedras de gelo. Decidico levanta-se da poltrona, veste seu fraque escolhendo o melhor caimento para cada vetimenta, tinha se banhado e se embebecido em água de cheiro. Uma vaidade boa de sentir, aquela que precede o encontro.

De tão ansioso errou o caminho, caminhava pelas ruas do centro velho. Esperava e antecipava cada situação que poderia vir. Preparou os argumentos e os momentos com a minúcia e a frieza de um hábil diretor de cena.

Olha o relógio e descobre que a hesitação o tinha atrasado, não minutos, mas horas.
Chegou em tempo para o último ato. A orquestra tinha um som cheio, completo e complexo que enchia os ouvidos, quase atordoante.

Um gesto abrupto do maestro e o som se torna um silêncio inquitante e persistente e que parece resistir à qualquer tentativa de quebrá-lo. A cada novo compasso de pausas, mais e mais dúvidas e questõe slhe vinham à cabeça. O vazio se tornou uma oficina aberta às experimentações do caos.

Quando as respostas pareciam se aproximar e delicadamente se aconchegarf em seu colo, num movimento o maestro traz de volta toda a sonoridade de sua orquestra.
Quando as semibreves e as semínimas voltaram a habitar a pauta dos músicos é que se fez bem claro: Quão valoroso é o silêncio.

Não só, com o atordoante e ligeiro movimento que os intrumentos ressoavam se fez ainda mais límpido o valor inestimável de cada nota e de cada pausa. O yin e o yang, o complemento dos opostos, o silêncio e o som.

Lembrou-se da falta dela e da imensa pausa que havia na partitura deles dois.

Zito e o níquel

Desiludido com mais uma investida malsucedida da vida amorosa, Zito caminhava pela madrugada. Assobiava uma canção de Cartola depois de ter pendurado mais uma naquele botequim. Embriagado pela incoerência da alma feminina colocou-se a pensar em como entender se o andar cambaleante e a carência de equilíbrio não lhe roubassem a atenção.

Fuçou os bolsos da velha calça jeans companheira e encontrou um níquel, seguiu caminhando a girando a moeda nos dedos. A bebida foi pouca mas ficava muito por entender. Como uma mulher pode ser tão bonita. Seria diretamente proporcional ao tamanho da desilusão que ela pode causar? Creio que não, só este critério é pouco.

Depois de assobiar o cancioneiro do samba de raiz e muitos quarteirões cambaleantes viu que como a moeda, a beleza feminina tinha dois lados. Um lado que encanta, deixa embasbacado, bobo, apaixonado e o lado que deixa escondido, entorpecido, insconsciente e mascarado.

Funciona assim, ao se deparar com a beleza, você quer se aproximar, entender, tocar, usufruir, desfrutar. De tão focado à esta nova situação seu estado no relacionamento social só tem uma definição: abestado. Obrigado ao pessoal do Nordeste pela definação precisa. è um desejo bestial, meus amigos, que bloqueia qualquer mera tentativa de raciocínio lógico.

No entanto, a paixão tem lá suas platonices. Tudo só fica tão bonito assim quando é inalcançável, inatingível. Depois desta xícara de café e banho gelado fica fácil ver que de tão besta que ficaste ante à beleza, você nem saiba o nome dela, ela já fica como musa na poesia. Ela é gente, tem gosto, tem cheiro, tem defeito. Talvez ela goste de música brega. Mas, neste caso, eu também gosto. Talvez ela tenha chulé.

Finalmente, Zito pôs a chave no portão de casa, guardou a moeda no bolso e se deu conta que uma moeda só tem valor porque tem os dois lados.